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Pinheirinho: um ano sem justiça para as famílias que perderam tudo

Texto de Inácio Dias de Andrade e depoimento recolhido por Joana moncau Fotos: Inácio Dias de Andrade

São Paulo, Brasil. No último 22 de janeiro, ex-moradores do Pinheirinho, São José dos Campos (SP), fizeram um ato para lembrar um ano da violenta ação policial que os despejou de suas casas. Cerca de 500 pessoas compareceram ao local para prestar solidariedade e cobrar do poder público medidas para as famílias que continuam sem casas.

Naquela fatídica madrugada, quase 2 mil policiais expulsaram as 8 mil pessoas que lá vivam. A manifestação ocorreu no Centro Poliesportivo do Campos dos Alemães, em frente às suas antigas casas e onde hoje se avista apenas mato. A área, devolvida à massa falida da empresa Selecta, do investidor Naji Nahas, serve agora unicamente à especulação imobiliária.

O ato também contou com o apoio de diferentes entidades. Entre eles militantes de movimentos de moradia que ainda hoje, após doze meses da desastrada ação do governo paulista, correm risco de despejo eminente. É o caso do Assentamento Milton Santos em Americana. Entre as falas no ato, ficou marcada a inação do governo na construção das casas e na apuração criminal dos responsáveis.

Atualmente os ex-moradores esperam a concretização de um acordo entre o governo federal, estadual e municipal, e o movimento para a compra de dois terrenos que irão abrigar duas mil casas para as famílias despejadas. O movimento ainda espera conseguir uma parte do terreno original do Pinheirinho para a construção de outras mil casas, tendo em vista que até hoje o terreno encontra-se abandonado e guardado por seguranças privados.

No entanto, a indefinição vem causando prejuízos para muitos moradores. A bolsa-aluguel do governo de R$ 500,00 é insuficiente, ainda mais depois da inflação de preços na região pela grande procura a imóveis após a desocupação. Muitos moradores estão ainda sem trabalho, devido à recusa de muitos empregadores em contratar ex-moradores do Pinheirinho. A situação ainda é mais grave para aqueles que perderam seus meios de sustento com a ação. Os donos de comércios na ocupação, além de perderem sua clientela, não conseguiram se reerguer depois que sua mercadoria foi destruída.

Cerca de 200 famílias sequer recebem qualquer auxílio do governo, pois a burocracia e a as exigências despropositadas do governo impossibilitam que elas comprovem que foram desalojadas pelas forças policiais. A principal exigência da prefeitura para o cadastro era um número de identificação colocado na porta de cada casa pelos próprios policiais no dia desocupação. Como muitos foram impedidos de entrar novamente no local e como a massa falida demoliu rapidamente todas as casas, inúmeras famílias não tiveram acesso a qualquer cadastro.

Grande parte das famílias moram de favor na casa de amigos e parentes e aqueles que perderam a posse de uma vida inteira conseguem se manter minimamente através de doações do movimento e a ajuda de vizinhos agora distantes.

“Por que fizeram isso com a gente?”

Depoimento de Aldenora Pereira da Silva, 39 anos.

“No dia da desocupação eu estava dormindo e, por volta das 5h30 da manhã, acordei com o barulho de helicóptero. Levantei e só vi fumaça, peguei as crianças. Abri a porta e vi fumaça, ardia os olhos, acordei todo mundo de casa. Saímos pra fora.

Até o último momento achei que alguma coisa ia acontecer. Tudo que eu tinha estava ali. Ajoelhei e falei: vai virar esse jogo. Os policias fizeram a gente de gato e sapato.

Vi minha casa sendo demolida, só consegui tirar minha roupa do corpo. É uma dor que não sei explicar. Construí a casa com tanta dificuldade. Cada garrafa Pet que eu juntava, a cada R$100,00, era um tijolinho.

Depois fiquei 1 mês e 15 dias no abrigo. Comecei a ter depressão, cheguei a tentar um suicídio. Perdi tudo, perdi, não tinha o que dar para meus filhos. Não tinha nada. Antes eu tinha tudo.

Cheguei a entrar com jornalistas lá depois que quebraram tudo. A única coisa que achei foi uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Lá está cheio de mato, cavalo, até as ruas que nós fizemos estão lá. Se me perguntarem: Sabe ir para sua casa?, Sei. Mas não tem mais nada.

Até hoje não achei os móveis da minha casa, tem que mostrar um monte de papel para conseguir. Não sabemos onde estão e se ainda existem. Minha casa no Pinheirinho tinha cinco cômodos e dois banheiros, vivíamos em seis pessoas. Hoje alugo um cômodo e um quarto, vivemos em sete pessoas, porque minha mãe também perdeu a casa dela no Pinheirinho e está morando comigo.

Moro passando três ruas do Pinheirinho. Só me consolo quando paro na frente lá na frente e me pergunto: Por que fizeram isso com a gente?. Não acho resposta. Todo dia minha filha pega condução do lado do Pinheirinho para ir para escola. Agora está tudo derrubado, cheio de mato. Éramos uma grande família lá dentro. Sinto muita revolta. No Brasil o pobre vale muito pouco. Aqui a lei só existe para os pobres, pros ricos não existe. Só quem passou que sabe.

Às vezes tem dias que eu não durmo. Ontem [22 de janeiro], à 1 hora da manhã eu foi sentar na frente do Pinheirinho. Entrei em desespero. Cadê minhas coisas? Minha casa?

A única coisa que recebo é um auxílio aluguel de R$ 500,00 que não cobre o que tenho que gastar. Pago R$ 650,00 de aluguel e cada caixa do remédio de depressão custa R$ 90,00, não tem no Posto.

Onde moramos as pessoas só criticam a comunidade de Pinheirinho. O pessoal falava que todo mundo tinha que ter sido demolido junto com as casas. Sofremos muita discriminação. Aqui fora estão começando a acusar a gente pela violência na região.

Meu marido é ajudante de caminhoneiro e foi demitido na época do Pinheirinho porque faltou dois dias no trabalho. Mas faz cinco meses que conseguiu outro emprego. Só agora terminei de pagar a prestação dos materiais de construção da nossa casa do Pinheirinho e da nossa geladeira.

Não esqueço nunca aquele domingo. A justiça tem que ser feita. O que fizeram com a gente não tem justificativa. A justiça para mim seria recuperar minha casa e minha dignidade que não tenho mais. Antes de morrer vou dar um terreno para o meu filho.

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