A lucidez do Doido

Spensy Pimentel

Berço do rap brasileiro, São Paulo, a maior cidade do país, e uma das maiores metrópoles do mundo, vê, nos últimos anos, o surgimento de uma nova geração de MCs, como são chamados os poetas do gênero. Criados em meio a rodas de improviso (o chamado freestyle), e em busca de novos cânones para o Hip Hop – no Brasil, ainda muito marcados pelo rap político dos Racionais MCs, sobretudo –, têm surgido nomes como Emicida, Kamau, Rashid e Criolo Doido.

Trata-se de uma geração que faz jus às origens do termo “hip hop” (literalmente, mexer os quadris, o que lembra o famoso “jogo de cintura”, tão valorizado na cultura brasileira) e não teme a mistura de elementos vindos de outros gêneros musicais – como o samba, o blues e a MPB – e demais campos da cultura – a literatura, sobretudo, já que essa geração surge ao mesmo tempo em que aparece na cidade o movimento da Literatura Periférica, produzindo em bares por toda a cidade os seus saraus.

Um exemplo do jogo de cintura dessa nova geração do rap está neste vídeo, uma singela versão da clássica canção política Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil (versão original de Chico com Milton Nascimento). Várias músicas e trechos de canções do novo CD de Criolo Doido, esperado para abril, já estão parecendo na internet, postadas pelo produtor do trabalho, Daniel Ganjaman e outros colaboradores do cantor.

O vídeo não tem crédito, mas a reprodução em Desinformémonos foi autorizada por Criolo Doido, que, em correio eletrônico, preferiu deixar seus trabalhos falarem por si mesmos, sem grandes detalhes: “Sou CRIOLO morador do grajauex. Não tenho muito o que falar de mim. Fiz poucas coisas”.

Segue a transcrição:

Como ir pro trabalho sem levar um tiro
Voltar pra casa sem levar um tiro?
Se às três da matina tem alguém que frita
e é capaz de tudo pra manter sua brisa

Os saraus tiveram que invadir os botecos
pois biblioteca não era lugar de poesia
pois biblioteca tinha que ter silêncio
e uma gente que se acha, sim, muito sabida

Há preconceito com o nordestino
há preconceito com o homem negro
há preconceito com o analfabeto
mas não há preconceito se um dos três for rico, pai

A ditadura segue, meu amigo Milton
A repressão segue, meu amigo Chico
Me chamam Criolo, o meu berço é o rap
Mas não existe fronteira pra minha poesia, pai

Afasta de mim a biqueira, pai
Afasta de mim as biati, pai
Afasta de mim a cocaine, pai
Pois na quebrada escorre sangue

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